Fiéis do mundo inteiro celebram, nesta terça-feira (31), os 500 anos da Reforma Protestante. São muitos os eventos que comemoram a data.
Nesta segunda-feira (30), por exemplo, no Senado Federal, religiosos participaram de uma sessão especial, com a presença do coral da Igreja Presbiteriana de Brasília. A Câmara Municipal de Juiz de Fora, em Minas, fez uma sessão solene também. E um culto na noite desta segunda na Igreja do Nazareno Central de Campinas, São Paulo, reuniu fiéis das igrejas luterana, presbiteriana, metodista, batista e anglicana. O centro mundial dessas celebrações é Wittenberg, o vilarejo alemão onde nasceram as ideias que provocaram a maior divisão da história do cristianismo. No século XVI, em um tempo em que as mentes humanas se iluminavam depois da Idade Média, o monge alemão Martinho Lutero se uniu a outros pensadores da Europa e denunciou os abusos que vinham sendo cometidos pela Igreja Católica à qual ele também pertencia. Usou de uma nova tecnologia, a imprensa, para multiplicar seus escritos e fazê-los percorrer a Alemanha e o mundo. Traduziu a Bíblia para o alemão e conseguiu acabar com as missas em latim para que as pessoas pudessem finalmente entender o que os pregadores diziam. Lutero era revolucionário, mas não rompia completamente com a tradição cristã. Acreditava no “terrível poder do diabo”, pensava ser justo e necessário matar as bruxas nas fogueiras, e acreditava profundamente nas ideias do apóstolo Paulo, afirmando que “o justo viverá da fé”, querendo dizer que “a vontade humana não é livre para fazer o bem”, porque, Lutero dizia, “não existe livre-arbítrio; o homem às vezes busca o que é bom e nobre, tenta se aproximar de Deus, mas age por culpa e egoísmo”.
No entendimento de Lutero, é Deus que torna um homem bom ou justo, e a salvação só existe com uma experiência pura de fé em Cristo. Os reformadores queriam acima de tudo “sola scriptura”, ou seja, fidelidade absoluta ao que dizem os evangelhos. Daí terem sido chamados de evangélicos ou protestantes.
Doutor Lutero, como era conhecido por causa da formação acadêmica, vivia em um antigo convento em Wittenberg. O interessante desse ambiente é que ele nos faz voltar no tempo e imaginar o que acontecia ali quando Lutero se reunia com estudantes, trabalhava, escrevia e, principalmente, pensava sobre a reforma que ele estava fazendo no mundo cristão.
No dia 31 de outubro de 1517, 500 anos atrás, em uma porta na entrada da igreja do castelo de Wittenberg, Lutero pregou seu grande manifesto: um documento com 95 afirmações profundamente críticas à venda de indulgências pela Igreja Católica. Religiosos concediam o perdão divino em troca de dinheiro ou de bens dos fiéis. Eram pessoas que queriam pagar por seus pecados ainda aqui na Terra pensando que, com isso, garantiriam a entrada no reino dos céus. Mas Lutero entendia que, de acordo com as escrituras, isso jamais seria possível.
Em uma das teses mais duras pregadas na porta da igreja, Lutero afirmava que os religiosos que vendiam perdão estavam pregando “doutrinas humanas que dizem que assim que o dinheiro entra no cofre a alma sai voando do purgatório”.
Por fim, Lutero atacava também a riqueza acumulada pelo Vaticano. “Os verdadeiros tesouros da Igreja, de onde o papa distribui indulgências, não são suficientemente discutidos ou conhecidos pelo povo de Cristo”, ele dizia.
Por causa do ato de Lutero, a Igreja do Castelo, que também é conhecida com a Igreja de Todos os Santos, se tornou um marco do começo da Reforma Protestante. E até hoje, principalmente agora, nas celebrações dos 500 anos, pessoas do mundo inteiro vão até lá prestar homenagens ao homem que ousou desafiar a Igreja Católica num tempo de trevas e acabou mudando os rumos da história.
O monge alemão entrou em uma disputa tão perigosa com a Igreja que precisou passar um ano escondido em um castelo.
Quando voltou a Wittenberg, não mais católico, ele rejeitou a ideia de que padres deveriam ser celibatários e se casou com uma freira que abandonou o convento. Passou a criticar o que dizia ser um excesso de sacramentos e dogmas impostos pela Igreja. Foi repreendido pelo Papa, mas jamais se desculpou.
Voltando ao que se entendia serem as origens do cristianismo, surgiram as igrejas luteranas, presbiterianas e muitas outras denominações, que mais tarde chegariam também ao Brasil.
A Igreja Católica sentiu o golpe e viu uma debandada de fiéis. Muitos protestantes foram perseguidos e algumas décadas depois veio uma guerra terrível pela Europa. De um lado nações católicas, do outro, protestantes.
Em termos religiosos, a reação do Vaticano veio no Concílio de Trento, em 1545. Foi quando começou a chamada Contrarreforma, uma tentativa católica de recuperar os fiéis perdidos.
Só cinco décadas depois daquele 31 de outubro de 1517, a venda de perdão, a venda de indulgências, foi proibida pelo Vaticano. As feridas entre católicos e protestantes jamais foram completamente curadas. Ainda que, recentemente, e muito lentamente, venha surgindo um movimento de reaproximação.
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