Pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugerem que o governo federal conceda um reajuste de até 29% no critério de acesso e nos valores pagos pelo Bolsa Família e crie um benefício extraordinário de R$ 450,00, com duração de seis meses, para todas as famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa. As medidas alcançariam o terço mais pobre da população brasileira num momento em que elas estão vulneráveis à crise provocada pelo novo coronavírus.
As ações seriam combinadas com a inclusão de 1,7 milhão de famílias que estão na fila de espera do programa. O gasto adicional com as transferências assistenciais em 2020 é calculado em R$ 68,6 bilhões, mas mais de 80% dessa despesa seria temporária e restrita a este ano. O impacto para o ano que vem seria bem menor, de R$ 11,6 bilhões, de acordo com a nota técnica divulgada nesta sexta-feira (27) pelo Ipea.
A avaliação dos pesquisadores é de que é preciso zerar a fila de espera pelo Bolsa Família e restabelecer o valor real das linhas de pobreza e extrema pobreza fixado no início do programa em 2004 nesse momento de maior vulnerabilidade social. Hoje, o benefício é pago a famílias com renda mensal de até R$ 178 por pessoa, e a extrema pobreza é considerada quando o valor é de até R$ 89 por pessoa. Essas cifras, pela proposta, subiriam a R$ 230 e R$ 115, respectivamente, o que ampliaria o número de famílias aptas a ingressar no programa.
Além disso, os pesquisadores defendem a criação de um benefício extraordinário a ser pago a todas as famílias que estão com cadastro atualizado no Cadastro Único, base de dados do governo federal para a inclusão de famílias em programas sociais, independentemente de elas receberem ou não o Bolsa Família. Para ser incluído no CadÚnico, é preciso ter renda familiar de até R$ 522,50 por pessoa.
O argumento dos pesquisadores é que as famílias que estão no CadÚnico mas ainda não estão na “linha de pobreza” que justifica o pagamento do Bolsa Família podem passar por um “empobrecimento” durante a crise do novo coronavírus. Isso provocaria uma espécie de corrida aos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), já sobrecarregados e que assistiriam a uma aglomeração de pessoas justamente quando a recomendação sanitária é para que a população fique em casa e evite situações de alto risco de contágio pela covid-19.
“A concessão de benefícios temporários para famílias vulneráveis é uma resposta preventiva mais racional do que simplesmente esperar que essas famílias caiam abaixo da linha de pobreza e tenham que se dirigir aos CRAS para atualizar suas informações no Cadastro Único”, diz o estudo.
Durante a vigência do benefício extraordinário, os 30% mais pobres da população brasileira poderiam contar com uma renda mínima mensal de R$ 450 por família. Os beneficiários do Bolsa Família poderiam acumular os pagamentos e teriam, em média, uma segurança de renda mensal de quase R$ 690 por família. Após o fim do benefício extraordinário, as famílias beneficiárias do programa continuariam recebendo em média algo próximo de R$ 240 por família (R$ 77 per capita), valor 27% maior do que o pago atualmente, nos cálculos dos pesquisadores.
Foram feitas simulações com outros valores, de R$ 150 ou R$ 300 por família, que consequentemente teriam menor impacto nas contas públicas, mas protegeriam menos as famílias no período de crise.
“Entendemos as restrições fiscais que atormentam o Estado brasileiro, mas, dada a probabilidade de desdobramentos catastróficos do ponto de vista social, nossa recomendação inevitavelmente tende para os cenários mais generosos”, diz a nota técnica. Segundo os pesquisadores, “na pior das hipóteses, mesmo se os riscos sociais estiverem superestimados” a despesa adicional seria quase toda temporária.
Além disso, o gasto com transferências passaria de 0,4% do PIB brasileiro para 1,4% do PIB neste ano – bem abaixo do déficit anual da Previdência Social e em linha com os programas de transferência de renda de outros países.
Do ponto de vista institucional e operacional, a sugestão feita pelos pesquisadores é considerada de dificuldade intermediária a alta. Nos reajustes e na inclusão de mais famílias no programa, o obstáculo é a tarefa de entregar tantos cartões ao mesmo tempo para os beneficiários, num momento em que o esforço de logística pode ser difícil.
Para criar o benefício extraordinário por seis meses, é recomendada uma legislação específica (sem conexão com Bolsa Família) e boa articulação com o Congresso para rápida aprovação. A maior dificuldade seria ajustar os sistemas da Caixa aos novos parâmetros do pagamento especial, uma vez que eles seriam diferentes do Bolsa Família. Mesmo assim, os pesquisadores acreditam ser possível rodar uma folha já no início de abril, para pagamento no fim do mês.
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