Romário acreditou que uma CPI do Futebol seria suficiente para acabar com o ‘covil de ladrões’, como trata a CBF. Sua esperança morreu graças à força da bancada da bola, políticos importantes ligados principalmente a Marco Polo Del Nero. A situação foi bizarra. Terminou com dois relatórios.
Um de Romero Jucá, senador do PMDB, e investigado por corrupção pela Lava Jato. Nele, não havia indiciamento de ninguém. O de Romário foi bem diferente. Pedia o indiciamento, a prisão de nove pessoas. Entre elas, Del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira. Os últimos três presidentes da CBF.
Venceu Jucá, seu relatório foi o aprovado, o do ex-atacante, não. Ninguém foi indiciado.
Mas Romário não se calou. E fez questão de lançar, em livro, o seu relatório. ‘Um Olho na Bola, Outro no Cartola” já está nas livrarias. O ex-jogador mostra os caminhos da investigação. E a ‘injustiça’ que foi feita por seus colegas de Senado.
Ele deu algumas entrevistas de lançamento. A melhor foi para o jornal espanhol El País. E que não repercutiu como deveria no Brasil. (Cosme Rimoli)
Por ser imperdível está reproduzida aqui.
Seu livro denuncia “o crime organizado no futebol brasileiro”. Qual era o modus operandi dos dirigentes da CBF?
A investigação da CPI do Futebol traz muitas coisas que as pessoas não tinham ideia. E eu sou uma delas. A CBF leiloou a seleção. Analisando contratos com empresas, concluímos que os amistosos realizados pela CBF não têm nenhum objetivo técnico ou a intenção de melhorar a seleção brasileira. O único objetivo com esses amistosos é ganhar dinheiro – aliás, fazer com que seus dirigentes ganhem dinheiro. O pior de tudo é que nem sempre os melhores jogadores são chamados para a seleção. A CBF convoca quem lhe convém. Vários jogadores, depois de duas ou três convocações, acabam envolvidos em uma transferência milionária para fora do país.
E os últimos técnicos da seleção tinham consciência disso?
Isso aí eu não posso afirmar. O que posso afirmar é que existem contratos com determinadas empresas que obrigam a CBF a convocar jogadores com mais nome. Nem sempre quem tem mais nome é o melhor.
Em seus tempos de jogador, você nunca desconfiou dessas práticas?
Nunca me passou pela cabeça que existia essa máfia dentro da CBF.
No livro, você usa a expressão “covil de ladrões” para definir a confederação…
Já foi mais que provado que o atual e os dois últimos ex-presidentes da CBF são realmente ladrões. São pessoas que roubaram dinheiro, desviaram verbas dos cofres da entidade para os seus bolsos. Há outras figuras investigadas, como Wagner Abrahão [empresário] e o [Antonio] Osório, o Zozó [ex-diretor financeiro]. Elas conviveram muitos anos nas dependências da CBF e se enriqueceram ilicitamente. É preciso acabar com esse covil de ladrões.
O atual presidente da CBF mentiu ao negar ter contas bancárias no exterior em depoimento à CPI?
Del Nero não só é mentiroso, como também é mau caráter. Ele foi cara de pau ao falar e fazer o que fez diante de todos nós na CPI. Tudo que está no livro foi comprovado pelas nossas investigações. Conseguimos abrir a caixa-preta da CBF.
Como reage aos processos movidos contra você por dirigentes da CBF?
O Del Nero vive me processando. Mas contra fatos não há argumentos. Temos provas de que ele roubou a CBF. Quando ele nega isso, a gente comprova tudo que fizeram e continuam fazendo. Se ele se acha no direito de me atacar para se defender, fazer o quê?
Ele chegou a ganhar alguma ação?
Não ganhou e nem vai ganhar. Del Nero não tem prova de nada contra mim. Quem tem prova contra ele sou eu. Sempre fui tranquilo, mas, se me colocam no meio de uma briga, eu funciono bem. Vou até o fim.
Houve também uma tentativa de censurar a publicação do livro?
Os advogados da CBF tentaram barrar o livro em São Paulo e, mais uma vez, eles perderam. Eu preferiria que isso não tivesse acontecido, mas, já que aconteceu, acabou dando uma repercussão positiva para o lançamento. Deixaram os leitores ainda mais curiosos.
Dunga e Gilmar Rinaldi também o processaram, certo?
Os dois me processaram e perderam. Dei uma entrevista para um repórter italiano, que, por causa da língua, acabou distorcendo um pouco as coisas [em 2015, Romário afirmou que havia “interesses por trás” das convocações de Dunga na seleção]. Entenderam que eu tinha ofendido a honra deles. Mas processo nenhum vai me impedir de dizer a verdade.
Ficou decepcionado por se tratarem de ex-companheiros de seleção?
Por mais de 20 anos fui jogador profissional. Eu jogo futebol desde os 13. Estou há seis anos e meio na política. Hoje em dia é muito difícil alguma coisa me decepcionar. Já passei dessa fase. Tô vacinado.
E o que fazer para que a CBF seja investigada e julgada pelos crimes que seu relatório da CPI apontou?
Entendo que o Estado não deve intervir em entidade privada. Mas não é o caso da CBF. É uma entidade que trabalha com material humano brasileiro, que é o jogador de futebol. Usa as cores e o hino do nosso país. Deixa de pagar bilhões de impostos. Por esses motivos é mais do que justo que a CBF não seja tratada apenas como uma empresa particular. Tem algo mais. Por isso tenho um projeto na Comissão de Educação e Esportepara transformar as seleções de todas as modalidades em patrimônio cultural brasileiro. Assim, as federações poderão ser investigadas pelo Ministério Público. Pra gente entender de uma vez por toda que o esporte no Brasil é feito para o cidadão, e não para as pessoas que tomam conta dessas entidades.
No livro, você também critica o monopólio dos direitos de transmissão de jogos e campeonatos. É um recado para a TV Globo?
Isso é muito prejudicial ao nosso futebol. Não é porque é a Globo. Poderia ser o SBT ou a Record. Monopólio não é bom pra ninguém. Hoje é a Globo quem define a grade de horários das competições, bota os jogos depois da novela – 21h45 é muito tarde. Como faz o trabalhador que pega às 6 da manhã? Sei de alguns que nem voltam pra casa depois do jogo. Nos grandes centros do futebol mundial esse monopólio não existe mais. Isso precisa mudar.
E uma das soluções que você enxerga é levar todos os jogos da seleção brasileira para a TV pública?
É uma ideia. Temos o futebol como nossa maior paixão. Todo mundo tem direito a acompanhar os jogos. Infelizmente isso não acontece em nosso país.
Você também pretende mudar o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)?
O STJD é um órgão composto por escolhidos da CBF. Não há como ter legitimidade. Nunca vai ser imparcial dessa forma. Tem que ser um órgão independente da CBF, mas isso não é interessante para os dirigentes.
O bom momento da seleção sob o comando de Tite abafou as denúncias que pesam contra Del Nero?
Não podemos misturar as coisas. O momento da seleção brasileira dentro de campo é excelente. Tite está de parabéns. Mas isso não tira a gravidade do que os dirigentes estão fazendo com nosso futebol. Os caras são do mal, corruptos. Um ex-presidente está em prisão domiciliar. E o atual não pode sair do país porque sabe que também vai ser preso. Uma vergonha para o nosso país. Se o presidente da CBF não viajar para a Copa, vai ser o maior vexame da história de uma seleção mundial. Vai ser nível 7 a 1 que o Brasil tomou da Alemanha. Será o único presidente de uma entidade que não vai participar do maior evento do futebol. Uma situação ridícula. Mas, até a Copa do Mundo, o Del Nero já estará preso. Tenho fé nisso. Tomara que ele nem saia [do cargo]. O ideal é que ele seja preso como presidente da CBF. Seria uma redenção para o futebol brasileiro.
Tite fez bem ao aceitar o convite para treinar a seleção mesmo depois de assinar um manifesto contra os dirigentes da CBF?
O Tite sempre foi crítico da administração da CBF. Mas, na minha vida, aprendi a julgar apenas meus atos e minhas atitudes. Lamentei o fato de ele ter aceitado a proposta, por tudo que foi colocado por ele sobre a entidade. Cada um faz aquilo que entenda que seja melhor para sua vida. Na parte técnica, a ida dele para a seleção foi muito boa. Fora isso, não.
O relatório aprovado na CPI foi o do relator Romero Jucá. Ele trabalhou para atenuar as denúncias contra a CBF?
Tanto Romero quanto o Renan Calheiros [ex-presidente do Senado] foram peças-chave para que não pudéssemos dar um prosseguimento melhor à CPI. A atuação deles atrapalhou bastante na hora de aprovarmos o relatório. Apesar de o relatório do Jucá não ser o pior do mundo, tem até alguns pontos positivos, o ideal seria aprovar os dois relatórios: o dele e o meu. Infelizmente perdemos naquele dia. Meu relatório contrariava o que 90% dos senadores daquela CPI queriam. Mas é o que fez mais barulho. Enviamos o material para a FIFA, FBI, Suíça, Espanha, STF, STJ, Polícia Federal, Ministério Público… Todo mundo ganhou de presente. Eu fiz 1.002 gols. Esse [relatório da CPI] foi meu milésimo terceiro gol. É uma das minhas grandes realizações no parlamento. Fico feliz que Polícia Federal e Ministério Público começaram a esmiuçar as denúncias. Acredito que a partir daí esses dirigentes finalmente serão presos.
Se surpreendeu com as prisões do ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell, e do presidente da Federação Espanhola de Futebol, Ángel Maria Villar?
O Sandro Rosell é ladrão igual ao Ricardo Teixeira. É corrupto igual ao presidente da CBF e ao presidente da Federação Espanhola.
A diferença é que Rosell e Villar estão presos.
Eu vou chegar lá! Eles estão presos. Os daqui, não. Mas logo vão estar, calma…
Por que dirigentes ligados à FIFA têm sido presos em outros países, menos no Brasil?
Tudo que tem acontecido pelo mundo com as prisões de dirigentes coloca pressão sobre as autoridades brasileiras. Mas elas já estão se mexendo, investigando as denúncias que fizemos contra os dirigentes. Coisa que um ano atrás não existia por aqui. Tenho muita esperança de que esses filhos da puta sejam todos presos logo, logo…
Vale relembrar o embate entre Romário e Marco Polo na CPI.
Romário: O senhor é corrupto?
Del Nero: Eu não sou corrupto.
Romário: A CBF é corrupta?
Del Nero: A CBF é formada de presidência e 200 funcionários. Eu respeito todos.
Romário: Por que o senhor não viaja com a Seleção?
Del Nero: Del Nero: Meus advogados me aconselharam a viajar.
Romário: O senhor tem medo de ser preso?
Del Nero: Não há motivos para isso.
Romário: Motivo tem. Corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas…
Del Nero: Provar isso é outra coisa.
Romário: Então o FBI está mentido?
Del Nero: Tem que provar.
Romário: Além de corrupto e ladrão, você é mentiroso…
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