Jumentos estão ameaçados de extinção no Brasil


Em 2015, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, recebeu um pedido de um investidor chinês: ele queria importar cerca de 1 milhão de jumentos por ano. O produto principal do jumento é a pele. Fervida, dá origem ao ejiao, um tipo de gelatina usada como medicamento popular pelos chineses, que promete saúde e vitalidade, como tônico antianemia, antifadiga e antioxidante. A demanda do mercado chinês é estimada entre 5 a 10 milhões de peles por ano. Cada animal rende 1,2 quilo de gelatina, vendida a cerca de US$ 800 e US$ 1 mil por quilo. No mundo, o plantel de jumentos era estimado em 44 milhões em 2018. No Brasil, em 400 mil. Uma edição especial do “Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science” trouxe um alerta dos pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP): a espécie está sob ameaça no país. “Se o abate não cessar, vamos ver a extinção dos jumentos no Brasil”, afirma o professor Adroaldo Zanella, especialista em bem-estar animal e responsável pela publicação. Segundo dados da FMVZ-USP, o abate de jumentos aumentou mais de 8.000% entre 2015 e 2019, período em que foram mortos 91.645 animais. Entre 2010 e 2014, foram pouco mais de 1.000 abates no país. Em 2018, já havia chegado a 62.622.

No auge dos abates, a descoberta de cerca de 800 animais em situação de extremo sofrimento no município de Euclides da Cunha (BA), levou o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal a ingressar com ação civil pública na Justiça Federal, que determinou a suspensão do abate em dezembro de 2018. Dos animais apreendidos, apenas 140 sobreviveram e vivem hoje na fazenda cedida por uma professora da Universidade Federal da Bahia, sob a proteção do Fórum. Em outubro de 2019, o então desembargador do Tribunal Federal da 1ª Região e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques autorizou a retomada do abate, sob argumento que os frigoríficos geram cerca de 150 empregos diretos e 270 indiretos na Bahia. O pedido de liberação foi feito pela Advocacia-Geral da União (AGU), segundo a qual o país tinha 900 mil jumentos. Dados do Censo Agropecuário do IBGE mostram que o Brasil tinha 376.874 jumentos em 2017, último número disponível. Outros 615.498 eram muares (cruzamento de jumento com égua), que não conseguem se reproduzir. Com a liberação, o Ministério da Agricultura registra 28.936 abates na Bahia entre fevereiro e julho desde ano. Não há dados de 2020. A Agência de Defesa Agropecuária (Adab) estabeleceu no fim de 2020 normas de abate de jumentos, como proibição de abate de animais com menos de 90 quilos e limitação de até 40% do número de fêmeas. Fêmeas no terço final da gestação também não podem ser mortas. Procurada, porém, a Adab informou que não pode fiscalizar os frigoríficos que abatem jumentos, que são sujeitos à inspeção do Serviço de Inspeção Federal (SIF).